quinta-feira, 23 de abril de 2009

Pequena nota sobre o método marxista

“Na análise das formas econômicas não podem servir o microscópio nem reagentes químicos. A faculdade de abstrair deve substituir ambos. Para a sociedade burguesa, a forma celular da economia é a forma da mercadoria do produto do trabalho ou a forma valor da mercadoria. Para o leigo, a análise parece perder-se em pedantismo. Trata-se, efetivamente, de pedantismo, mas daquele que se ocupa a anatomia microscópica “[Capital. Livro I - Prefácio da Primeira Edição]

“Como a Economia Política gosta de robinsonadas, aparece primeiro Robinson Crusoé em sua ilha. Moderado por origem, ele precisa satisfazer, entretanto, as várias necessidades e, por isso, tende a executar trabalhos úteis de diferentes espécies, fazer ferramentas, fabricar móveis, domesticar lhamas, pescar, caçar etc. Não falamos aqui das orações e coisas semelhantes, porque nosso Robinson se compraz nelas e considera tais atividades como recreio. Apesar da diversidade de suas funções produtivas ele sabe que elas são apenas diferentes formas da atividade do mesmo Robinson, portanto, somente modos diferente de trabalho humano. A própria necessidade o obriga a distribuir seu tempo minuciosamente entre suas diferentes funções. Se uma ocupa mais, outra menos espaço na sua atividade total depende da maior ou menor dificuldade que se tem de vencer para conseguir o efeito útil pretendido. A experiência lhe ensina isso, e nosso Robinson, que salvou do naufrágio o relógio, o livro razão, tinta e caneta, começa, como bom inglês, logo a escriturar a si mesmo. Seu inventário contém uma relação dos objetos de uso que ele possui, das diversas operações requeridas para sua produção e , finalmente, do tempo de trabalho que em média lhe custa determinadas quantidades desses diferentes produtos. Todas as relações entre Robinson e as coisas que formam sua riqueza, por ele mesmo criada, são aqui tão simples e transparentes que até o Sr. M. Wirth deveria entendê-las, sem extraordinário esforço intelectual.” [C. Cap.I L. I P. 73-74]

“A verdade é sempre dura para as ternas almas liberais”[Jean-Paul Sartre]

Os modernos economistas ingleses de tradição liberal partiam da premissa de um “estado de natureza” do homem. O homem produzido pelo desenvolvimento das forças produtivas e pelo esfacelamento do tecido social feudal foi transformado em “homo economicus”, que, por sua vez, foi transformado em ponto de partida da história. Os economistas de tradição liberal justificavam o resultado histórico a partir do próprio resultado histórico, caíram em tautologias reducionistas, e utilizavam o Sr. Robinson Crusoé como a figura deste homem em estado natural. A exposição da construção teórica liberal não apresenta as categorias robinsonadas de maneira casual, senão, por uma questão metodológica de apresentar as relações sociais a partir da relação do indivíduo e por apresentar a análise econômica a partir de uma “visão caótica do conjunto”. Os economistas liberais estabeleceram como ponto de partida de análise o concreto, o complexo, rumo ao abstrato , no sentido das relações mais simples. Marx diz:

“O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.”

Os economistas que transformaram a humanidade em um coletivo de Robinsons Crusoés, entendem que o complexo(concreto) é o resultado direto do simples(abstrato). Por isso que transformam o resultado histórico em ponto de partida. Segundo Marx:

“Parece correto começar pelo real e o concreto, pelo que se supõe efetivo; por exemplo, na economia, partir da população, que constitui a base e o sujeito do ato social da produção no seu conjunto. Contudo, a um exame mais atento, tal revela-se falso. A população é uma abstração quando, por exemplo, deixamos de lado as classes de que se compõe. Por sua vez, estas classes serão uma palavra oca se ignorarmos os elementos em que se baseiam, por exemplo, o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes últimos supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, não é nada sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem os preços, etc.” [Introdução à contribuição Para a Crítica da Economia Política – 3. Método da Economia Política/ Karl Marx]


Marx apresenta um segundo método analítico, refutando o instrumental-teórico liberal. O ponto de partida da construção analítica do projeto de economia marxista apresenta-se como o momento do processo de abstração (Momente des Abstraktionsprozesses) de uma totalidade social específica, rumo a sua própria superfície, ou seja, o destino analítico deve ser o concreto pensado. Marx nos diz:

“Eis por que Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que, partindo de si mesmo se concentra em si mesmo, se aprofunda em si mesmo e se movimenta por si mesmo; ao passo que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é, para o pensamento, apenas a maneira de se apropriar do concreto” [Introdução à contribuição Para a Crítica da Economia Política – 3. Método da Economia Política/ Karl Marx]


Diz Rosdolsky de maneira magistral sobre o método do Projeto de Crítica da
Economia Política, no início do capítulo 29 de sua clássica obra:

“‘Assim como o sistema da economia burguesa se desenvolveu gradativamente, o mesmo ocorre com a negação desse sistema, que é seu último resultado’. Porém , quão longo, árduo e fatigante revelou-se esse caminho! Foi necessário investigar e expor a história do capital até chegar às suas formas concretas. Mais ainda: foi necessário decifrar passo a passo as formas mistificadas nas quais ele se manifesta, para reencontrar seu verdadeiro conteúdo. Desse ponto de vista, o sistema da economia burguesa constitui ao mesmo tempo uma história da ‘auto-alienação’ humana. Não se tratava de descobrir o caráter alienado das categorias econômicas, mas sim de entender como essa ‘inversão de sujeito e objeto’, própria do modo de produção capitalista, era necessária e condicionada por causas reais. O jovem Marx já se havia proposto essas tarefas nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. Mas só em O Capital elas seriam conduzidas até o fim.”


Esta apropriação da realidade concreta proposta na metodologia-analítica defendida por Marx tem por objetivo primordial o entendimento da totalidade social a partir da compreensão das engrenagens internas da grande máquina social capitalista, enquanto a economia vulgar possui um caráter descritivo da aparência do modo de produção capitalista, e um entendimento alienado e fetichista em descrever a expressão fenomênica da engrenagem do capital.

Nenhum comentário: